sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ciências Sociais - USP

Como frequentemente sou interrogado sobre como é o curso de Ciências Sociais e, principalmente, como é o curso na USP, vejo-me compelido a escrever um pequeno painel de ideias que faço sobre.

A Universidade de São Paulo foi criada na década de 30 tendo como um de seus primeiros e principais cursos, o curso de Ciências Sociais. Como não havia acadêmicos nesta area no Brasil, buscou-os em França. De lá vieram nomes como Roger Bastide, Claude Lévi-Strauss. A partir deles, começou-se a desenhar os primeiros acadêmicos brasileiros(Freyre, Sérgio Buarque são marcados pela mescla da ciência escrita literariamente...): Florestan Fernandes, Antônio Cândido, entre outros. Depois vieram Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso...Faltam muitos nomes importantes que não me vieram à cabeça agora. Porém, vamos ao que interessa: hoje.
O curso de Ciências Sociais na USP é dividido em três departamentos: Sociologia, Antropologia e Ciência Política. A produção acadêmica é enorme. Acadêmicos com vasta obra e grande referência nacional e até mesmo latino-americana. O curso da USP é considerado o melhor do Brasil, o que acho uma besteira, haja vista a qualidade dos acadêmicos da Unicamp, UFRJ, PUC-SP.
Graças a grande busca por publicações, alguns acadêmicos esquecem que também são contratados para dar aula, e dão aulas bem mazomenos. Com várias exceções, é claro. Sabendo se adaptar ao estilo de cada professor, o aluno consegue aprender muito com eles, pois eles sabem muito.
A carga de leitura é enorme. Em média, 200 páginas ou mais por semana. Os dois primeiros anos são realizadas as disciplinas obrigatórias: Sociologia I, II, III e IV. Antropologia I, II, III, IV. C. Política I, II, III e IV.
Vale lembrar que também são obrigatórias uma matéria de Estatística, uma de Economia e três de métodos e técnicas de pesquisa.
O movimento estudantil da USP é o principal do Brasil e isso fica muito claro principalmente na FFLCH. Várias correntes e tendências realizam debates ao longo do ano e fica muito fácil o aluno se inteirar e, caso queira, ingressar neles.
Resumindo: caso você se interesse por Ciências Sociais como forma de adquirir uma grande bagagem intelectual e ter contato com grandes nomes da area, participar de movimentos sociais, estudantis, ter contato com trabalhos do exterior, haja vista o grande número de palestras e conferências que os departamentos realizam com importantes nomes de outros países e ter uma ótima pós-graduação(sem dúvida para a pós, os professores se dedicam e se interessam muito), a USP é seu lugar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Eternidade

Já é nove de maio de 2011, oficialmente. Porém, vivo oito de maio: é uma da manhã. Deitei na cama de meu quarto dois por um. Nele há uma mesa abarrotada de livros, uma cadeira cabide, um armário e, naturalmente, a cama. Há, ainda, um espaço para um corpo. Mais não cabe.

Em São Paulo é outono. Faz-se uma noite fria cortada por uma leve garoa, que por tanta leveza, se espanta com a dura poesia concreta dessas esquinas.

A hora que me deitei, dormir tornou-se impossível. Nem mesmo consegui estar aqui: fui parar em Jacarezinho da minha infância. Mais exatamente na esquina de cima do Anchieta, na casa de meus tios.

Meus pensamentos se restringem há uma cena: um menino tomando leite quente em uma noite fria(é indispensável que seja uma noite fria) e indo dormir junto a sua tia. Eu era esse menino e tinha muito medo de dormir sozinho. Só havia duas formas para eu não dormir sozinho: junto a meus pais ou com minha tia. Elisa, esse é seu nome. De qualquer outra forma eu estaria só e o sono seria impossível. Meu tio dormia no quarto ao lado com um ronco tão duro quanto a paisagem paulista.

Acordava-me meu tio. Minha tia postaria-se a dormir por alguns instantes mais. Sentava-me à mesa do café. Era um café de hotel: pão, leite, o achocolatado que sempre faltava e remediavam a falta dando-me chocolate de fazer bolo, frutas cortadas – banana, mamão, melão, a inesquecível manteiga viação em sua capa pintada a laranja e o rádio contando notícias. Não gostava do chocolate e do barulho do rádio. Coisa irrelevante comparada à alegria de ir ao colégio na sempre suja pampa azul. Ia na caçamba e chegava ao colégio como chegam os príncipes ao altar. Esse é o momento preenchido de eternidade da minha infância...Mas o eterno findou-se de repente.

Hoje, o Corinthians empatou com o Santos no primeiro jogo da final do Paulistão. David Santos, esse era o nome de meu tio, estaria exaltado, fazendo exclamações: é obrigação do time de São Jorge ganhar. Também é dia das mães. Lembro sempre da mãe de meu tio quando ele fez a promessa de nunca mais fumar. Eu, minha tia e sua mãe assinamos o maço de cigarro, depois jogado ao telhado.

Agora, no dois por um, revivo minhas memórias. Cercado por concreto, mas de duro querendo só o ronco de meu tio. Cercado por livros, mas de sabedoria me contentando com a muitas vezes torta de meu tio. Sentando nesta cama, mas precisando do sono reconfortante junto a minha tia. Para isso até tomaria o achocolatado de bolo e pediria para ouvir o barulhento rádio.

Longe neste instante de tudo que se mostrara essencial, vejo a felicidade sendo corajosa e desajeitada, feito a brisa no rosto do menino, tendo, ao fundo, o som leve de um ronco de motor misturado à voz do vento. A esse terceiro som damos o nome eternidade.

terça-feira, 8 de março de 2011

A festa da carne

No dia internacional da mulher, um dia de se fazer retrospectivas históricas e, analisando-as, vermos o quão pouco, comparado ao que se pode fazer, foi feito. A luta por processos que a diferença de gêneros não valha mais nada está de pé e cada vez estará mais. Se há um ponto que tanto direita e esquerda convergem é quanto à legitimidade do projeto feminista. Um ponto que deve ser reiterado incessantemente é que ser feminista não é sinônimo de anti-masculino. Quem se vale de tal argumento é, para ser gentil, um completo imbecil.

Nos casos de ruptura com determinado passado, pensam no futuro radicalmente. Um caso típico é o carnaval. “A mulher como produto”. “A mulher é rebaixada a um simples corpo”. Ora, a tradição carnavalesca vale-se de mulheres com fantasias a trajes curtos, sim. Isso é diminuir alguém? Homens também se apresentam com trajes mínimos. Qual o problema da mulher, com um corpo escultural, demonstrá-lo? Ela não se sente bem com isso?

A coerção social é uma via de mão-dupla. Há conivência e vontade das mulheres de se apresentar da forma que se apresentam. E não há mal nenhum nisso. O erótico, o sedutor não são anti-femininos. São o oposto. Como muito bem disse Millôr Fernandes:”A anatomia é algo que o homem também tem, mas que fica muito melhor na mulher”. Vivamos e deleitemos o carnaval como ele é. Não pensemos em corpos cobertos e sexualidade zero. Pedindo uma licença poética a Nelson Rodrigues: todas as mulheres gostam de se sentir desejadas. Todas não. Só as normais.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O Segundo Dilúvio

Quando deus criou o ser humano, fez dele sua imagem e semelhança. Contudo, o homem com seu livre arbítrio, estragou tudo. Deus, furioso como um Zeus, resolveu, arbitrariamente, fazer chover por 40 dias e 40 noites. Iria dar fim a sua criação que lhe deu tanto desgosto. Todavia, como todo bom artista, resolveu guardar um pouco da obra para melhorá-la no futuro. Noé e sua família, mais sortudos que um ganhador na loteria, foram premiados e incumbidos de construir uma arca que levaria todos os animais do mundo(não me ficou claro se os outros Reinos também estavam incluídos). Veio o Dilúvio. Tempos difíceis, de incertezas. Mas, após 40 longos dias, porque os anos passam rápidos, os dias não, deus, pois são Pedro ainda estava nos planos futuros, encerrou o temporal. Quando a tempestade finda-se, vem a bonança. Nesse caso, em especifico, não. Vieram as brigas e tudo aquilo que estressava o criador. Can, que ficou com um pedaço de terra hoje conhecido como África, fora condenado à escravidão eterna e seus filhos, que nada tinham com isso, também o foram.
Agora, não bastasse a prova de que os genocídios são ineficazes, mesmo pelo bom deus, o segundo dilúvio é almejado. O dilúvio dialoga tão bem com o mito apocalíptico que até parecem mão e luva. Os dois imaginam que após determinado acontecimento as pessoas seriam ideais, cordiais, generosas. Os dois quebram a cara na parede. Hoje, esses ideais, longe dos obscuros salões eclesiásticos, eles ressurgem. Porque no mundo há uma legenda: que ladrão se mata com tiro. Assim, embutidos de prerrogativas assassinas clamam por penas de morte, chacinas em nome da segurança, amor a justiceiros genocidas, fechando-se em si mesmos. Impunhando uma bandeira de ódio, preconceito e morte a tudo aquilo que não conhecem, que não entendem.
O caso do ano que melhor resume isso é o helicóptero das forças policiais seguindo vários traficantes. Quantas vozes exigindo que eles deveriam ter sido executados sumariamente. Sem direito a julgamento, sem direito a vida, sem direito a dignidade. Como a vida toda não tiveram. Queriam que o Estado concertasse a sua criação com morte. Estado ausente: sem educação, saúde, lazer, paz, justiça. Achando-se deus, ordenam o segundo dilúvio. Está ai um mal humano: não aprender com a história. Deus, ao assassinar todos e recomeçar do zero, nada resolveu. Humanos, assassinando não mudaremos nada. Mas ainda há uma legenda muito antiga: que ladrão se mata com tiro...