segunda-feira, 9 de maio de 2011

Eternidade

Já é nove de maio de 2011, oficialmente. Porém, vivo oito de maio: é uma da manhã. Deitei na cama de meu quarto dois por um. Nele há uma mesa abarrotada de livros, uma cadeira cabide, um armário e, naturalmente, a cama. Há, ainda, um espaço para um corpo. Mais não cabe.

Em São Paulo é outono. Faz-se uma noite fria cortada por uma leve garoa, que por tanta leveza, se espanta com a dura poesia concreta dessas esquinas.

A hora que me deitei, dormir tornou-se impossível. Nem mesmo consegui estar aqui: fui parar em Jacarezinho da minha infância. Mais exatamente na esquina de cima do Anchieta, na casa de meus tios.

Meus pensamentos se restringem há uma cena: um menino tomando leite quente em uma noite fria(é indispensável que seja uma noite fria) e indo dormir junto a sua tia. Eu era esse menino e tinha muito medo de dormir sozinho. Só havia duas formas para eu não dormir sozinho: junto a meus pais ou com minha tia. Elisa, esse é seu nome. De qualquer outra forma eu estaria só e o sono seria impossível. Meu tio dormia no quarto ao lado com um ronco tão duro quanto a paisagem paulista.

Acordava-me meu tio. Minha tia postaria-se a dormir por alguns instantes mais. Sentava-me à mesa do café. Era um café de hotel: pão, leite, o achocolatado que sempre faltava e remediavam a falta dando-me chocolate de fazer bolo, frutas cortadas – banana, mamão, melão, a inesquecível manteiga viação em sua capa pintada a laranja e o rádio contando notícias. Não gostava do chocolate e do barulho do rádio. Coisa irrelevante comparada à alegria de ir ao colégio na sempre suja pampa azul. Ia na caçamba e chegava ao colégio como chegam os príncipes ao altar. Esse é o momento preenchido de eternidade da minha infância...Mas o eterno findou-se de repente.

Hoje, o Corinthians empatou com o Santos no primeiro jogo da final do Paulistão. David Santos, esse era o nome de meu tio, estaria exaltado, fazendo exclamações: é obrigação do time de São Jorge ganhar. Também é dia das mães. Lembro sempre da mãe de meu tio quando ele fez a promessa de nunca mais fumar. Eu, minha tia e sua mãe assinamos o maço de cigarro, depois jogado ao telhado.

Agora, no dois por um, revivo minhas memórias. Cercado por concreto, mas de duro querendo só o ronco de meu tio. Cercado por livros, mas de sabedoria me contentando com a muitas vezes torta de meu tio. Sentando nesta cama, mas precisando do sono reconfortante junto a minha tia. Para isso até tomaria o achocolatado de bolo e pediria para ouvir o barulhento rádio.

Longe neste instante de tudo que se mostrara essencial, vejo a felicidade sendo corajosa e desajeitada, feito a brisa no rosto do menino, tendo, ao fundo, o som leve de um ronco de motor misturado à voz do vento. A esse terceiro som damos o nome eternidade.